OUTRO dia li no blog do amigo e jornalista Robert Lobato a narrativa de um episódio ocorrido no início da década de noventa.

O texto, bem escrito e sereno, começa de forma literária:

‘Era inverno chuvoso de 1990.

Na Universidade Estadual do Maranhão (Uema), conversávamos eu, Márcio Buzar, Neil Armstrong, Agostinho Neto e outros companheiros.

Divagávamos sobre a então recente eleição presidencial de 1989.

Em certo momento, Buzar, hoje professor na UNB, disse algo mais ou menos assim: “Perdemos a eleição, mas não perdemos a luta. De certa forma foi até bom Lula ter perdido, pois minha maior decepção seria ele ganhar e depois aparecer a notícia de que ele é dono de fazenda”. Nunca esqueci dessas palavras!”

Já conhecia o episódio, que me foi narrado pelo próprio jornalista numa das vezes que esteve em minha casa. Robert Lobato, seus amigos, eu e tantos outros, mal saídos da adolescência e travando os primeiros contatos com a democracia, após os vinte e um anos do regime militar, tentávamos, cada um nos seus segmentos – nos grêmios estudantis, nos DCE’s, nas associações de moradores –, contribuir de alguma forma como uma nova história para o Brasil.

Embora só viesse conhecer o Robert anos depois, essas histórias, estes sonhos, essa consciência coletiva de buscar dias melhores para o país era um elo comum naqueles dias invernosos e ensolarados. Contribuíamos com o que podíamos, mesmo com os poucos recursos da vida de estudante moradores da periferia e bairros populares.

Outra coisa a nos unir era o  Lula, apesar das críticas pontuais. Ele era ideal a ser atingido. Um operário, nordestino, do povo, chegar ao cargo mais alto da nação. Este foi o sonho que nos embalou naquele lula lá, brilha uma estrela…

Assim, votamos, pedimos votos, defendemos o nome de Lula em todos os fóruns. E, como o sonho sempre foi mais importante que o próprio objetivo, encontrávamos mérito até na derrota.

O medo da decepção de Buzar – naquele inverno chuvoso de 1990, na poética narrativa de Robert –, só de imaginar a possibilidade de Lula virar fazendeiro, é a expressão maior do próprio sonho. O medo de acordar para realidade. Quantas vezes não sonhamos um sonho tão bom que torcemos para não acordar?

Além de votar em Lula naquele 1989, continuei votando (eu e tantos outros) até alcançar o tão sonhado objetivo em 2002.

E foi aí que percebi que o sonho era bem diferente da realidade. A posse do operário-presidente já  fora regada pelos mais caros vinhos do mundo. Segundo noticiou-se na época, presente do marqueteiro que ganhara uma fortuna cuidando da campanha. Os novos ternos, feitos sob medida, também, já davam uma ideia do pendão do “nosso” Lula pelos mimos que o capital – causa maior de todos os males –, podia oferecer. Antes só tínhamos a preocupação de defendê-lo do fato de morar “de favor” na casa do compadre Roberto Teixeira.

O governo que se desenhou já refletia o desastre que viria. Petistas deslumbrados num consórcio espúrio com o que havia de pior na política nacional.

Enquanto isso pessoas corretas, sérias, eram tratadas como inimigas do Estado.

Os primeiros e tristes episódios  do governo que se iniciava refletem isso: o memorável chá de cadeira que Dirceu deu em Gabeira e outros líderes políticos e a exigência  do próprio Dirceu de ser tratado como “primeiro-ministro”.

Aí veio o mensalão, o petrolão, a generosidade desmedida com os recursos do BNDES, o alcance dos fundos de pensão dos trabalhadores, o socorro as ditaduras amigas e tantos outros desatinos.

Mais que uma briga pela perpetuação no poder – como pensou-se no mensalão –, veio a certeza que havia uma quadrilha instalada no coração da nação, também com propósito do enriquecimento fácil e que iam muito além de uma fazenda.

O derradeiro vexame a que a sociedade brasileira experimenta é ver um ex-presidente da República comparecer diante de um juiz na condição de réu.

Aí volto ao dileto amigo Robert Lobato, que analisa o fato como uma vitória do ex-presidente.

Sou dos que discordam frontalmente. Como vencedor, amigo Bob? A nossa principal preocupação naquele não muito longe 1989 era o Lula aparecer como dono de uma fazenda e agora está ele no banco dos réus como chefe de uma organização criminosa.

O que está se discutindo – é bom que se deixe claro –, é o fato daquele cidadão, que sonhávamos como modelo para o Brasil, emergir de inúmeras investigações policiais como chefe de quadrilha especializada no roubo da coisa pública.

E não são poucos os indícios e depoimentos neste sentido. Os membros da família e executivos da  Odebrecht dizem isso. Emilio e Marcelo narram o episódio com riquezas de detalhes; o amigo Léo Pinheiro da OAS, confirma estes fatos; os diretores da Petrobras corroboram, basta ver os depoimentos de Nestor Ceveró e agora de Renato Duque; o ex-senador Delcididio do Amaral confirma e por último, o casal de marqueteiros a serviço do partido, de Lula e de Dilma traz das sombras tudo aquilo que, nem nos nossos piores pesadelos imaginávamos.

Mais grave uma quadrilha que tomou de assalto o Estado brasileiro, a partir de sua capacidade de mobilização e disponibilidade de recursos, influenciou os destinos de outros povos, intrometeu-se em eleições de outras nações.

O simples fato de um ex-presidente sentar-se no banco dos réus já é motivo para vexame; quando este ex-presidente é o primeiro operário a chegar ao poder e em quem o povo brasileiro depositou tanta esperança e emocionou-se com sua posse é algo devastador; e quando este mesmo ex-presidente, operário, cidadão do povo, senta-se no banco dos réus na condição de corrupto é algo a envergonhar a todos nós. Não apenas os que sonharam em vê-lo presidente, mas a todos os cidadãos de bem.

E quando você pensa que nada de pior pode acontecer, você se depara com este ex-presidente mentindo descaradamente, sonegando a verdade, dizendo não saber o que todos, mesmo os mais ingênuos, sabem que ele sabia e sabe; negando o inegável, como o foi ao dizer que influência alguma tinha no seu próprio partido.

E quando pensamos que não podia ir além na falta de caráter, aquele que foi depositário de tantos sonhos e esperanças, faz “delação premiada” contra a própria esposa. Pior, contra uma esposa falecida, que não tem, sequer, a chance de defender-se.

Já havia  prometido não me surpreender com quaisquer revelação que ainda viesse surgir. Mas confesso que causou-me espécie a forma desrespeitosa com a qual o ex-presidente “empurrou” a responsabilidade para a mulher falecida.

Então a mulher era investidora em imóveis? Mas, com qual renda, se a vida inteira foi “do lar”? Então a mulher pedia favores a empresários à revelia do ex-presidente que nem tomava conhecimento? Quanto ofensa.

Mas, na opinião do senhor Lula “(…) mulheres são assim, não contam tudo ao marido.”

No seu primeiro interrogatório como réu, o ex-presidente exerceu aquilo que sabe fazer como ninguém: a arte da malandragem. Não se importando de, para isso, colocar a responsabilidade na mulher falecida. Desrespeitando os mortos e o senso comum de todos os brasileiros decentes.

É verdade que à defesa tudo é permitido. É um direito do réu usar todos os recursos na sua defesa, mas se esperava um mínimo de decência, ética e responsabilidade de quem ocupou o cargo máximo da nação.

Aos militantes reunidos em Curitiba para constranger a Justiça, uma confissão involuntária: não se disse inocente e sim que não tinham provas contra ele.

O senhor Lula não possui qualquer preocupação que não seja safar-se e não se é ou não inocente.

Existe mérito ou vitória nisso, amigo Bob?

Emergem provas de que roubaram tudo. Roubaram até os nossos sonhos, nossos ideais. Diferente da nossa, as atuais gerações não têm no que acreditar. Aqueles em que confiávamos transformaram a política nacional no que há de pior em todos os cantos e em toda nossa história.

Não, não existe mérito. Não há vitória. Somos uma nação de derrotados.

Abdon Marinho é advogado.


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